domingo, 2 de outubro de 2011

Loucura, soucura.

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."

Clarice Lispector


Hoje, praticamente sinto-me bem resolvido em relação ao fato de minhas internações. Falo, comento, conto minhas experiências e meus aprendizados normalmente. Como quem retrata uma ida a um supermercado.
Mas não foi sempre assim. Quando de minha primeira internação, a 4 anos, trouxe comigo o olhar crítico depositado sobre as instituições psiquiátricas pela sociedade.
A idéia de um espaço isolado, longe de todos e excluído do direito a vida, era mais ou menos o que esperava. Um depósito de indivíduos que de alguma forma, cruzaram a fronteira, saíram da casinha, num processo de ruptura com os valores sociais e da razão.
Descobri que as loucuras, com suas formas, razões e dores, são diferentes, em suas semelhanças.
Mas na visão popular, a loucura é considerada como “rebeldia”, perda da consciência, devido a um desequilíbrio emocional ou comportamental, acompanhado pela fuga e isolamento da realidade, ou por distúrbios e deficiências orgânicas e mentais.
Mas vivendo, revivendo e convivendo a realidade de outras internações, fui acumulando avaliações sobre estas experiências.
Sai de um sentimento de dor, vergonha, abandono, falta de chão, incapacidade e entrega dos pontos, no momento de minha primeira internação, a contradição da certeza, da força, da alegria, da autoconfiança, do descobrimento de pares com quem repartia o existir, o brincar, o poder e o prazer. Todos estes sentimentos vividos em apenas 3 meses de clínica.
O diagnostico de alta, representou o total pavor. Hoje vejo que desejava viver ali para o resto de minha vida. Ao lado das pessoas “mais maravilhosas” que o “acaso” me havia presenteado. Ou seja, continuava com uma visão desfocada.
Mas porque isto???? São diversos fatores, mas vamos lá.
O fato de alguns internos pararem para te ouvir, terem tempo pra você, é o máximo de bom. Permitir-se a cantarolar ao lado de roda de violas, banhadas pela lua. Os corpos dançavam, os sorrisos faziam eco, num local em que todos soltavam seu lado artístico. Num local inacessível a minha pesada e antiga realidade. Aonde o amanha, não seria estressante, aonde ninguém te acusaria pelo fato de você simplesmente se permitir. Acreditei que se podia viver sem um relógio no pulso.
Para as crianças, para a família e amigos, estava curado e a primeira internação teria sido um momento impar, um resfriado, já inclusive esquecido.
No retorno, noutra internação, senti-me perplexo, pois indagava como a avalanche “DO TUDO” pode voltar mais uma vez sem pedir licença. Ali estava eu a ter que tentar falar das dores oriundas das perdas físicas, perdas emocionais, perdas oriundas do medo, da desistência, da falta de desejo a vida. Uma das inquietações era por quanto tempo, teria que deixar de respirar um lado da vida social, e viver aquele EU, só meu, de uma vida dupla, não pública.
Tudo já havia passado, a alta conquistada, e a certeza de que não teria vivido uma punição.
A convivência com os outros internos era parte do tratamento. Somente isto.
O perceber que o furacão habita o peito de todos. Uns falam dele, outros, de dentro e de fora da clínica, exteriorizam e interiorizam o eco do grito da inquietação.
Outras internações vieram. Hoje conheço-me mais. Sinto pena dos que nunca puderam parar o mundo, para melhor percebê-lo. Não fazem parte de meu currículo minhas internações, mas fazem parte de minha vida. Foi uma vitória poder conviver com minhas limitações, admiti-las. São muitos os que apreciam, me procuram, para conversar.
Para as crianças, para a família, estou curado e a primeira internação teria sido um momento impar, um resfriado, já inclusive esquecido. As outras internações ignoram. O que de fato existe, é o medo da perda, do que não é compreendido.
A dor vem, o sintoma simplesmente é a cicatriz da queda. Todos acessamos a porta de emergência da sensibilidade, ingressando num outro mundo, chamado “loucura”.
Sair da classificação de engraçado, exótico, diferente, e entrar na versão de um ser de comportamento supostamente desviante, que afeta a vida das pessoas com quem convive, é um pulo.
Da genialidade, da criação, a negação familiar. As brutalidades sociais, isolam, castram, e definem o internamento simbólico, e abrem as portas da loucura. Sem uma linguagem comum, o exílio é pura conseqüência.
Hoje existe profissionais que adotam a luta pela política “Anti Manicomial”. Mas as formas, o preconceito e as relações são e sempre foram diversas. Na antiguidade a loucura era considerada uma manifestação divina. Na Idade Média, inquisição, eram queimados, pois os “loucos” eram pessoas possuídas pelo demônio. Hoje parte da Igreja Católica e Evangélica, com uma visão moralista e discriminatória, classifica o ser, paciente, que não é produtivo na economia de mercado (valorização da razão), como alguém que tem algo a menos, e precisa de ajuda, para retirar o mal de seu interior e reintegrá-lo ao mundo, produtivo, do Senhor.
Já os Espíritas, de forma mais harmoniosa, dialogam, pois consideram MEDIUNICOS, os que ouvem vozes, os que são introspectivos, pois através deles, esta aberta à comunicação com os que se foram, e com o incompreendido, com o inconsciente.
Temos depósitos de “LOUCOS”, espalhados por todo o Brasil. O que não se vê, e não se ouve, não existe.
Mas os NARCOTICOS, criaram uma pandemia globalizada. Com um custo altíssimo ao estado. Então tentam criar um “modelo” de política antidrogas.
Como se fosse possível, separar as expectativas de lazer, da educação, da alimentação, da segurança, das oportunidades, de uma sociedade aonde o respeito e os problemas do homem serão ouvidos.
Sem entender a questão da subjetividade do homem, o gosto do azul ou do verde, do cheiro, das texturas, do ritmo, o respeito ao direito a opção, não se vai a lugar algum.
A importância das terapias, individuais e em grupo, do ouvir, do ouvir e do ouvir é o caminho. Do respeito à diversidade. O entender que o direito a busca do prazer, é viver.
Para começar, precisamos de uma linguagem comum, que respeite as variações culturais, com suas praticas e diversificadas. O tratamento pode se dar no núcleo familiar, ou em instituições. Manter o diálogo, é caracterizar cada caso.
As gigantes indústrias dos remédios tentam vender soluções caras e inexatas. A marginalização de algumas posturas como doenças vem do preconceito contra o que é ainda desconhecido. E temos que tomar, bolitas, bolitas e bolitas. No início tinha preconceito com os remédios, hoje apreendi a aturá-los. Participo até de comunidade no Orkut. Faço parte da turma do Zyprexa. E paralelo a isto, falo do que sinto. De minhas dores, tristezas e limitações.
Tenho que parar de demonstrar que posso tudo. Não preciso do olhar e da aprovação do mundo. Talvez queira só a atenção de “alguém”. Poder ser frágil, dentro de minha rotina. Tentando desacelerar, sem entrar em depressão. Quero apegar-me, as bordas da vida.
Antes amava a noite. Hoje, muitas vezes me confundo com ela.
Viro noite, vestindo-me de madrugada. Confundindo-me com a solidão.

Já pensei muito sobre o que é loucura, rsss.
O preconceito e a rejeição a classificação é concreta. Mas todos afirmam querer um momento de LOUCURA....., até acompanhado, com seu parceiro, rsssss.

A vida da gente é assim.
Muitas vezes damos voltas para chegar bem em frente.
Em frente do que não enxergamos,
Em frente do reflexo, em frente do EU.

2 comentários:

Domenica disse...

São voltas maiores para encontrarmos,muitas vezes,um "eu" menor ou de seu verdadeiro tamanho.
Para tudo,em "doença" mental há rótulos e nomes que vão inclusive mudando,pois há uma tentativa,pequena,diria,de alguns grupos de psiquiatras que tentam desmitificar o que seria ser "doente" mental.Assim ocorreu com o atual Transtorno Bipolar Afetivo,chamado,de forma diferente e cruel de PSICOSE MANÍACO DEPRESSIVA.Estudos sobre a psicose também foram favoráveis a estas mudanças.Entre haver um TRANSTORNO e uma PSICOSE,vai uma larga diferença.Temos o "início" desta talvez tentativa de humanização,no alcoolismo.Os dependentes de bebidas alcoólicas eram chamados de alcoólatras.Hoje,são alcoolistas.O sufixo "latra" de idólatra,por exemplo,define o ser como um "adorador" do ídolo ou do àlcool.Alcoolista "define" um dependente químico,conduzido,talvez,por algum transtorno afetivo.Creio,entretanto,que SIM,há comportamentos que são restritivos a qualquer ser humano que possa colocar em risco seu bem-estar ou de seus relacionamentos.Então,pouco importa o rótulo:importa aceitar que há formas de conduzir a vida que
a tornem menos difícil e dolorosa.Paralelo aos interesses comerciais,alguns medicamentos são necessários ao organismo,como no caso da insulina.O grande problema é quando somos afetados por um "mal mental":nosso cérebro,ainda
um grande mistério.Deste mistério ou simplesmente ignorância,temos o pré conceito.
ABRAÇO!!!!!!!!!Rô.

Domenica disse...

Ó,não vi o título,só o nome de Clarice.Sonoramente lindo e tudo a ver no com-texto.
Abraço!!!!!