domingo, 26 de outubro de 2008

Solidarnosc


Repetindo meu camarada Ricardo Guillen, também afirmo, que não sou de qualquer geração.
Vivi anos em turbilhão, em que as ideias eram questionadas a todo momento, em que a palavra conquistar estava ligada ao desejo.
Um tempo em que o poder estava em cheque, um tempo de enfrentamentos, da revolução sexual, do movimento estudantil, sindical, em que as organizações de esquerda afloravam.
Vou retratar neste momento um “causo” ocorrido em 1982.


Na Polônia o processo de transformações políticas e econômicas começou antes que em qualquer outro país socialista. Já no final da década de 1970 e início da de 1980, movimentos grevistas agitaram os principais centros industriais do país, principalmente os estaleiros de Gdansk. Diante da falta de iniciativa das autoridades e dos sindicatos, atrelados ao governo, um grupo de operários e de intelectuais fundou um sindicato independente, o Solidarnosc (Solidariedade). Sua combatividade entusiasmou os operários, que aderiram em massa à organização.
Isto influenciava a trabalhadores em todo o mundo, inclusive no Brasil, pois aqui havia um processo tão rico como o de lá.
A iniciativa dos trabalhadores e de seus líderes, entre os quais se destacava Lech Walesa, atingiu frontalmente as autoridades, que passaram imediatamente a combater o Solidariedade.
Paralelamente no Brasil, terminávamos os anos 70 com a campanha pela anistia ampla geral e irrestrita sendo mote de toda a VANGUARDA e da Sociedade Brasileira.
As manifestações pela volta dos exilados, a discussão de um partido de classe pelas Organizações de Esquerda (Liga Operária-Convergência Socialista, MEP, AP, DS, POLOP, Ala Vermelha, OSI, PCBR, entre outras), Sindicalistas e setores da Igreja Católica, culminou no movimento pró partido dos trabalhadores, que se transformou no PT.
O PT e o Solidariedade na Polônia, eram marcos mundiais de luta e organização da classe.
O governo russo (1982) impôs a lei marcial, na Polônia, e o sindicato foi declarado ilegal e proibido de funcionar.
Lech Walesa, foi preso.

O PT juntamente com outras instituições da sociedade civil fizeram manifestações Brasil afora pedindo “Solidariedade ao Solidarnosc”.
Estes atos ocorreram em todo o mundo.
Era um momento em que o INTERNACIONALISTO OPERÁRIO era pauta de discussão, as ditaduras balançavam e caiam, vivíamos em um ascenso, fazíamos história.
No Brasil é bom lembrar houve ato em apoio ao Governo Russo e Polonês, orquestrado pelo PCdoB, PCB e MR 8.
Houve choque, porrada mesmo, nas imediações da Praça XV, nossa com estes stalinistas, que marchavam na contra mão da história.
Detalhe, nossos atos eram de massa e nós levamos a melhor, rs.
Num destes atos, tínhamos como pauta, entregar um abaixo assinado que exigia Liberdade para o Solidariedade. Então rumamos da Cinelandia em caminhada até o Consulado Polonês, que ficava na Praia de Botafogo, para entrega-lo.
Um estirão debaixo de sol e forte calor, já que estávamos no centro da cidade.
Ao chegarmos ao Consulado e anunciarmos nossa presença o Cônsul Polonês informou que seria impossível receber a todos.
Ficava no 1º andar do prédio o Consulado.
Pediu que fosse feita uma comissão entre os presentes e a imprensa para fazer a entrega.
Como eu era Presidente da 18ª Zona Eleitoral do PT fui selecionado entre os presentes.
De minha organização, a Convergência Socialista, fui eu e o camarada ROMILDÃO.

Fomos recebidos em um grande salão, tipo de festas, e foi pedido que aguardássemos um pouco, pois o Cônsul já nos receberia.
O cansaço e a exaustão era grande, após a jornada que tínhamos feito.
De repente as portas se abriram, e quase de um “sonho” surgiram garçons, com farta bebida gelada, inclusive VODCA, e petiscos quentinhos, recém fritos.
O som da sala mudou, virou do nada um som de boteco e de descontração. Confesso que tinha pego “alguns” salgadinhos na mão, com medo que não viesse mais, a fome era grande.
Quando olho para o lado vejo o ROMILDÃO me comendo com os olhos do outro lado do salão.
O Secretário Geral do PT da época, Professor CIDÃO, do MEP. “mangou” de ROMILDO:
“pode comer a vontade que eu pago, Raposão ( apelido de Romildo )”
Foi quando o camarada sumiu em uma mesinha de centro e reverberou em alto e bom tom que “não comia e nem bebia com quem matava e oprimia o povo polonês....”
Neste instante quase que me engasguei com os croquetes do buffet.
Procurava uma mesa para deixar o copo e os quitutes.
Aquele momento servia como uma aula prática de como não se devia agir em um enfrentamento. Vi a diferença, a persuasão e cooptação, da classe dominante, a um pequeno grupo de “dirigentes”, que por causa de sede e fome, perdem o referencial de classe, o objetivo da ação.
Do nada o Cônsul apareceu, senão sua tática de acalmar os ânimos e fazer “novos amigos” pioraria a situação.
O ato político foi realizado, os abaixo assinados entregues e a cobertura da imprensa feita. Romildo deu eixo a atividade, pois nossa organização sempre formou seus quadros.


Os anos seguintes foram extremamente difíceis.
O Solidariedade funcionou na ilegalidade e diversos membros da sua direção estiveram presos. Com a perestroika na União Soviética, a partir de 1985, a situação começou a mudar, e em 1988 o sindicato emergiu novamente com força, liderando uma onda de greves.
Um acordo assinado entre o Solidariedade e o governo, abril de 1989, a ilegalidade do sindicato foi revogada.
Em junho do mesmo ano, o Solidariedade, agora transformado em partido, conquistou 99 das 100 cadeiras do Senado e 35% das da Câmara dos Deputados
Em 1990 Lech Walesa venceu a primeira eleição para presidente da República.


Quero dizer o quanto foi rico em minha formação a convivência com certas figuras que fizeram nossa história.

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