Quase uma reprise do fim de meus dias; lá estava eu trazendo para casa meus filhos Oliver e Breno. Trocavam idéias sobre os personagens que iriam desenhar. É o enredo de uma história, que se arrasta, que eu sei que existe, mas que nunca cheguei a ler. E eles confabulavam.
Derepente, nem sei como, Oliver começou a falar sobre a necessidade de eu me cuidar. Perguntou sobre minha dormência na mão esquerda, sobre minha alimentação, e aí foi... Demonstração de amor, misturado a coisa de filho preocupado.
Depois afirmou que tenho que procurar fazer coisas que me dêem prazer, como voltar a desenhar. Algo bem concreto, que nos assemelha. Continuou me convocando a ser PAI.
Questionei a princípio, aquela proposta, pois sempre me senti “pai”. Ele inclusive me chama de “papai”. Breno mais perdido do que tudo, nos seus 14 anos, afirmou que tenho a obrigação de continuar a ser pai, até ele ficar “DIMAIOR”. E eles continuaram a falar, e eu sai do momento, retornando a uma situação de muito tempo atrás.
A escola de Rebecca havia preparado um dia dos pais surpresa, com jogos e muitas propostas de brincadeiras.
E lá fui eu. Buscando ser o PAI, presente.
Já de cara, percebia-se a diferença entre EU e os outros pais.
A maioria estava de terno. Uns até afrouxaram a gravata, na tentativa de ficar mais a vontade. Outros com roupa social, mas todos bem estilo clássico.
Eu vestido de macacão jardineira Lewis e sandália de couro.
E vieram as propostas, e me animei, brincando, rolando pelo chão, participando da corrida de saco, engatinhando, cantando e gritando.
Realmente duas coisas me chamaram muita atenção na época, A primeira que “os pais” se mantiveram na posição de pais, desmontando as propostas de integração com a molecada, colocando-se na posição de espectador da festa, fugindo da participação da atividade moleque.
A segunda, foi Rebecca, me roubando de seus amiguinhos, me chamando para uma conversa a sós, aonde ela implorava que eu parasse de fazê-la ter vergonha. Que eu me comportasse como um PAI.
Aquilo ficou, meio sem digestão, meio engasgado, meio sem reflexão.
Tentei assumir a proposta “deles”, as crianças e a escola.
Meio virei herói da meninada, e fiz minha filha sentir vergonha.
Mas de 25 anos depois, meu filho me convida a ser PAI.
Hoje, talvez mais sensível, mais reflexivo, me pergunto: “será que meu papel foi de mãe?”.
O pai, traz consigo o papel do certo, do limite, da lei. Realmente nunca assumi este papel. Fui sempre muito mais mãe. Mais carinhoso, mais confidente, mais permissível. Fui irmão mais velho, ao propor bagunças, quebrando regras de casa, alimentos fora de hora, gastos e desejos fora do orçamento, ignorando costumes, negando a religião, afrontando o estado, pichando as ruas, conspirando por uma nova ordem.
E meu filho, me pede para ser PAI.
Não sei se consigo.
Chamo todos eles, de meu amor. Sou mãe.
Chamo-os para a farra, para o cinema, para dividir planos, sou irmão.
Desculpem.
Hoje vejo que nunca fui pai.
Na realidade, não sei ser pai.
Mas amo vocês, neste meu jeito torto de ser.