quarta-feira, 22 de maio de 2013

Resposta a Sandra Borges


NÃO, EU NÃO GOSTO DE SER INTERNADA

Assim que voltei a sentir os mesmos sintomas de uma "leve" depressão detectada na adolescência tempos atrás, fui logo procurar ajuda, pois sabia que ter superado a primeira vez tinha sido uma grande e dura vitória e não agüentaria aquilo outra vez.
O primeiro psiquiatra procurado era de uma clínica que fazia hospital dia e já tinha um “esboço” para internação: com uma ala e alguns quartos. Acabei ficando dia sim, dia não, e logo fui ficando a semana toda dada a mudança brusca do meu quadro: da leve semelhança com os sintomas apresentados anteriormente para vazios crônicos, desespero, irritabilidade, agressividade, labilidade de humor, entre outros.
Durante um ano e meio nenhum remédio surtiu efeito, a única coisa que trazia alívio imediato - e ainda assim passageiro - eram as mutilações, passei a ter muito medo de mim mesma, e do que eu podia fazer a mim e aos que me rodeavam naqueles momentos, então passei a buscar alternativas, não achei outra a não ser me internar. Aquele lugar era lindo, eu estava lá por vontade própria, boa parte das atividades era manual, o que eu preferia, pois tenho dificuldades de interação social, fazia hidroterapia e ainda conheci e me dei muito bem com a musicoterapia.
Depois vieram outras internações, eu não conseguia pensar em alternativas para a hora das crises: ou era agressão, mutilação ou internação!
As pessoas “saudáveis” têm muitas dicas para essas horas: ler, desenhar, assistir filmes... Mas quem é que no desespero vai suavemente pegar seu livrinho e folheá-lo?! Ok! Desculpem a ironia... E posso entender que muitos não entendem, mas então entendam! Não é possível ler! Assistir Filme! Fazer Crochê! Na minha crise não. Tem delas que não consigo nem levantar da cama para fazer as necessidades básicas...
Tenho até conseguido outras saídas atualmente, mas precisei trilhar esses caminhos até hoje e até hoje aquela foi a minha alternativa. Antes que eu procurasse a internação como saída não tinha ninguém lá para colocar uma pomada na minha ferida, quando a ferida ainda sangra de vez em quando ainda penso em ir pra clínica como única alternativa, pois penso que ainda vou achar algumas coisas boas que encontrei naquela primeira clínica.
Enfim foram mais de dez internações, voluntarias, em consenso com a família e, por fim, compulsórias. Muitas altas administrativas, muitas contenções, fui amarrada, dopada, tomei forçadamente o famoso HF (Haldol com Fernegan), entrei em luta corporal com enfermeiros que na maioria dos casos são despreparados (parece não existir especialização em saúde mental para os profissionais), levei tapa na cara, fui enjaulada. Tristes lembranças. Meu organismo sofreu tantas mutilações quanto eu fiz marcas no meu corpo; cheguei a engordar vinte quilos e meu rosto ficou coberto de espinhas por conta de toda química que me enfiaram corpo adentro. Não, meu diagnóstico não é masoquismo. Não, eu não gosto de ser internada.
Enfrentei processo legal contra uma clínica, infelizmente perdi na primeira instancia, não tive fôlego para continuar. Fui com a comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal (CDPDDH) para vistoria em duas Clínicas, uma delas refez toda a sua estrutura com base na estrutura legal e a outra está de portas fechadas, também denunciei alguns dos profissionais para os devidos conselhos um está sob sindicância. Logo, sou militante fervorosa da luta antimanicomial, logo não, não gosto de ser internada.
Sandra Borges
Brasília, 18 de maio de 2013
  • Wellington Rainho Como você Sandra, também não gosto de ser internado. Houve vezes que também classifiquei como a “opção viável” minha internação.
    Foram momentos em que perdi totalmente meus referenciais. Tempo em que o deixar de viver não doía, e sim indicava a perspectiva do fim de uma enorme dor.
    Aí os portões fechados, alimentavam a idéia de proteção, que impediriam meu ex dia a dia, de corroer o que restava de mim. Era um refúgio.
    Mas esta fase passa, ainda bem, passa mesmo. E aí começamos a falar de datas, de sonhos, de vontades de ir e vir, de alta. Então a estrutura fechada começa a sufocar. Os enfrentamentos se repetem, pois a “rotina e o funcionamento” imposto não mais nos representam. Então também enfrentei com palavras tapas e bordoadas profissionais e usuários com quem nunca me relacionaria fora dali. Deram-me tanto remédio, que tive Hepatite Medicamentosa, e mesmo assim, vencia aqueles montes de “bolitas” e esperava a madrugada, minha lua, meu silencio. Esperava tentando reconhecer-me, em meio ao tudo, que nada mais me dava.
    Meu pavor mesmo Sandra, comecei a sentir depois. Sabe, às vezes sinto um desespero, uma falta de ar forte, uma falta de chão. Algo como estar dentro de um grande terremoto. Sem direção para correr. É ruim demais.
    Sinto-me internado fora do estado físico de nenhuma clínica, seguido, vigiado e perseguido pelos “transeuntes”, sentindo minhas atividades do dia a dia como alguma terapia ocupacional... E o pior, sem data para receber alta... Sinto-me internado em mim mesmo. Eu tornei-me a clínica.
    Milito na luta antimanicomial, como quem tem sede e bebe água. Com vontade. Como quem quer se dar alta!!!!!
    Sabe, não dava só para curtir seu texto. Tive que abrir a janela da vida, interagir contigo, pois só assim me reconheço. Na fala. Perdendo-me nos traços, volumes e formas..., rabiscando sentimentos, brincando com as palavras e empinando desejos. 
    Um beijo Sandra.
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    • Suzana Medeiros Sou fã de vocês.
    • Suzana Medeiros vocês tornaram meu dia muito mais especial, Obrigada, Sandra, por compartilhar conosco, e de forma tão clara e inteligente, experiências tão preciosas.
    • Sandra Borges Ixi Weliington também não dá pra ficar sem comentar, mas acho que só tenho um "ixi" mesmo ... Então vou dar um Ctrl C + Ctrl V num pedacinho do seu texto que consegue colocar em palavras um pouco do que eu sinto também e que eu achava que só ficaria no campo emocional, fiquei muito emocionada e apesar da dor é sempre bom se identificar. Vai lá: "Sabe, às vezes sinto um desespero, (...), uma falta de chão. Algo como estar dentro de um grande terremoto. Sem direção para correr. É ruim demais. Sinto-me internado fora do estado físico de nenhuma clínica, seguido, vigiado e perseguido pelos “transeuntes”, sentindo minhas atividades do dia a dia como alguma terapia ocupacional... E o pior, sem data para receber alta... Sinto-me internado em mim mesmo. Eu tornei-me a clínica".
    • Inverso Ong Saúde Mental É isso ai, meus amigos. Compartilhar o sentimentos, pensamos e vivenciamos pode ajudar muita gente. Vamos nessa!

Um comentário:

Anônimo disse...

DÓI MUITO ler estes depoimentos!!!!
DÓI A DOR DO OUTRO,SEU VAZIO,SUA BUSCA!!!!!Também sou favorável ao fechamento de MUITAS instituições,principalmente PÚBLICAS,onde há um depósito de DOENÇAS e NÃO DE PESSOAS com alguma "doença mental".Mas conheci clínicas
muito bem estruturadas,com profissionais competentes e HUMANOS que se SOLIDARIZAVAM com SEUS PACIENTES.NÃO,NINGUÉM QUER FICAR TRANCAFIADO,"ENVENENADO",MALTRATADO
Pergunto:é verdadeira a existência de algumas doenças mentais??????Pode o cérebro,a mente sofrer alguma alteração neuroquímica que coloque em risco,não a "normalidade",a rotina dos dias,mas a VIDA de alguém ou de quem com ele(a)conviva???????Pode esta pessoa permanecer SEM tratamento algum??????Por que algumas pessoas,mesmo com toda DOR e SOFRIMENTO se RECUSA a tratar-se em casa(com alguns medicamentos)e a ter, regularmente,um acompanhamento psicoterapêutico????????SIM,ABAIXO COM OS MANICÔMIOS,COM CAMISAS-DE-FORÇA,COM CHOQUES ELÉTRICOS,COM AMARRAR PACIENTES ÀS SUAS CAMAS,COM PROFISSIONAIS QUE "ENTOPEM" pacien-
tes com DROGAS,para sentirem-se li-
vres de suas RESPONSABILIDADES!!!!!
MAS digo NÃO a TODOS que sabem necessitar de AJUDA PROFISSIONAL e
a ela SE RECUSAM!!!!CONTRA os INÚMEROS casos de FALÊNCIA nos tratamentos,HÁ,SIM,outros INÚMEROS COM ÓTIMOS RESULTADOS!!!!!!!!!TRIS
TEZA NÃO É DEPRESSÃO!!!!TRISTEZA NÃO É DOENÇA!!!!!!TRISTEZA FAZ PAR
TE DE NOSSA VIDA E CIRCUNSTÂNCIAS,COMO ADOECER FAZ PARTE DE NOSSA HUMANA CONDIÇÃO!!!!!