quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Rabanada

Acabei que fugi até a casa de Lúcia, vontade de dar um grande abraço, um beijo, e retomar a vida depois desta pequena parada.
Afinal era 25 de dezembro, Natal de 2008.
Mas chegando lá, foi quase impossível de resvalar no mesmo passo que cheguei.
Uma família bela, muitos jovens, sobrinhos, que não conhecia, irmãs, enfim, Dona Magali, sua mãe, deixou a receita de um lugar gostoso de se viver.
Pelos sorrisos e movimentação imagino como não deve ter sido a noite de Natal.
Até sentei um pouco, mas com a chegada do pessoal, percebi que o almoço estava pronto, e tinha que partir.
Foi então que Lucinha me estendeu uma bandeja e me ofereceu uma rabanada.
Sorri, a lembrança foi buscar mais uma história de vida, que tive que contar ali.
A legislação nos obrigava a instalar os Diretórios Zonais, 1980, tínhamos que ter sedes do partido, pois os fiscais do TRE acompanhavam as reuniões ordinárias.
Então, como presidia a Zonal de Ipanema/Copacabana, 18ª Zona, não seria fácil conseguir um espaço bem localizado e a preço que fosse compatível de nossas possibilidades. Tínhamos um partido formado por praticamente estudantes, e algumas poucas pessoas alternativas.
Rodava o bairro na procura, até que com a dificuldade, decidimos subir o morro.
Fomos subir a Rua Saint-Roman, que começa na Rua Sá Ferreira, em Copacabana e termina na Rua Piragibe Frota Aguiar.em Ipanema, e que dá acesso as escadarias das favelas do Pavão e Pavãozinho.
Realmente foi lá que encontramos refúgio. Achamos um aparente sobrado, mas que tinha também um andar para baixo, tipo um porão, contemplado com janelas, já que estávamos em um morro.
Era a casa da atriz Wilza Carla, (Niterói,29/10/35) uma ex-vedete, atriz e humorista que na época era muito popular como jurada de programas de calouros, em especial o de Sílvio Santos.
Acertamos com sua mãe, sendo que deveríamos pagar adiantado o primeiro aluguel. A impressão que ficava era de uma casa abandonada, aonde faltava tudo, sem estrutura e que nós caíamos como a salvação momentania da lavoura.
Enfim, tinhamos a sede necessária, bem localizada, na boca das favelas, um sonho.
Na festa de inauguração, tivemos uma noção do que nos esperava. Assasinaram um coronel do exercito em Copacabana e a favela foi cercada, helicópetros e rock and roll.
Noite quente, muitos tiros, mas nada que nos pertubasse, rs.
Mais tarde tive a oportunidade de conhecer Wilsa Carla, ela gostou de meus “Blue eyes”, me chamava de anjinho barroco.
Tínhamos uma boa relação, pois sempre fingia que não percebia seu interesse por algo mais.
Aconteceu que passamos por um momento de dificuldades financeiras, voltávamos das férias de final de ano e atrasamos o aluguel por dois meses. Entrávamos em Abril, e parte da militância ainda não tinha voltado das férias.
Foi quando minha companheira, Carminha e Fabiana receberam o aviso da mãe de Wilza que ela queria “falar” comigo. Que tudo poderia se acertar no próximo sábado pela manha, bastava que eu quisesse,
Quando cheguei na sede era um riso pra cá, riso pra lá danado.
Até minha namorada achava que tinha que ir “acertar” o aluguel pelo partido.
Fiquei meio que perdido e sem graça, mas saiu quase como uma tarefa da executiva.
O tal sábado chegou.
Lá estava eu e meus pares. Descemos para nosso espaço.
Logo em seguida já se ouvia os gritos perguntando por mim.
Carminha me da um beijo apaixonado, me manda ir logo e passa a mão na minha bunda.
Subo as escadas sem graça. A porta aberta e sua mãe dizendo, vamos logo, ela esta te esperando. Subo mais um andar e chego a seu quarto, acompanhado por um faz tudo da casa.
A cena, Wilsa Carla sentada na cama de casal, de bebidol transparente, um quarto aonde não via janelas, muitas cortinas, panos e roupas penduradas e largadas pelo chão. Uma sensação de sujeira do ambiente, sujeira interior.
Sento de forma tímida na ponta da cama, e começamos um diálogo.
Derepente alguém fecha a porta do quarto, a sensação de mal estar e claustrofobia aumenta.
Wilsa, muito branca, pele cor de leite, sem sobrancelhas, me estica uma bandeja e me oferece uma rabanada, estávamos em Abril, imagine.
Levanta o já pequeno bebidol, e me pergunta se não acho suas dobrinhas iguais a dobrinhas de bebe.
Pega outra rabanada e me oferece novamente. A minha nova recusa, joga-se como uma felina sobre mim, arrastando cobertores, rabanadas, canela e açúcar, Não sei como, mas escorrego de seu desejo, acuado e com medo, sensação de estupro, fuga e gritando escada abaixo, aclamando por uma vaquinha que pague os alugueis atrasados.
Fiquei com fama de frouxo, mas aliviado e de bem com a vida.
Minha amiga Lucinha então entendeu porque depois disto passei a recusar as rabanadas, até em época de Natal.

3 comentários:

Anônimo disse...

coisa louca, iimagino a cena AHAHAHAHAHHAAHHAAHHHAAHAHAAHHAH

Valéria Lisbôa disse...

Eu acho que sou uma pessoa estranha...
Sabe como vi essa história?
Que as pessoas em benefício próprio, usam as outras desmedidamente...
Todos empurravam o protagonista para uma situação que ele não queria viver.
Talvez até, se houvesse conhecido a Wilza em outra situação, aprofundando sua relação e depois envolvendo-se emocionalmente com ela, teria não fugido dela, mas pra cima dela!
O fato é que foi imposta uma situação e uma condição por todos.
Apenas o principal “vendido” não estava interessado.
É interessante o que pensam dos homens...
Que num estalar de dedos encaram qualquer coisa a qualquer momento.
Homens e mulheres partilham iguais sentimentos.
Prostituição é uma coisa que ocorre sempre em troca de...
Prostituição é uma coisa séria, um assunto mais sério ainda, e mesmo aqueles que dela vivem carregam seus traumas. Têm seus arrependimentos.
Eu disse que era uma pessoa estranha.
Minha opinião provavelmente se distinguirá de todas as outras.
Diferencio-me, com orgulho. Gosto de ser como sou.
Valéria.

Anônimo disse...

Fala sério!!! Parece mas um filme de terror.
Será que você não ficou enjoado por comer tanta rabanada...