Logo que retornei pro Rio, aos quinze anos, em 1973, já me interessava pelo rumo da sociedade. As questões políticas me atraiam.
A propaganda da ditadura, era intensa na televisão, comemorava-se o sesquicentenário da independência (“projeto de amor e paz, este Brasil faz coisas, que ninguém imagina que faz...”)
Já tinha vivido a campanha do “ame-o ou deixe-o”, do governo “Garrafa Azul Médice” Achava aquilo intransigente, como se houvesse somente uma forma de amar, de pensar.
Percebia a diferença entre a palavra deixar e ser expulso, preso, torturado e morto.
Assustou-me um cartaz de PROCURA-SE, com fotos de ativistas, como se vivêssemos em uma época de faroeste americano.
Percebia o murmurar de um setor da sociedade, que na música, na arte, nos muros e nas esquinas clamavam o fim da ditadura.
Mas era menino, e precisava fazer “eco”.
Meu professor de inglês saiu candidato a vereador pelo MDB, Clemir Ramos, de Bangu. Ali fui. Comecei minha militância.
Logo conheci o setor “autentico” do partido, Alves de Brito, Raimundo de Oliveira, Délio dos Santos, Marcelo Cerqueira, José Frejat, entre outros.
Elegemos Frejat Vereador e posteriormente Deputado Federal.
Girava em volta do PCB e seus quadros, até que conheci um outro grupo, com seus pequenos cartazes, pretos, que clamavam:
Chega de Fome e Exploração!!!
Abaixo a Ditadura!!!
Anistia Ampla Geral e Irrestrita.
Era a Liga Operária, mãe da futura organização Convergência Socialista, da qual fiz parte e me formou como pessoa.
Logo me identifiquei com os camaradas e ali conheci o Trotskismo e o Morenismo. Hugo Miguel Bressano Capacete, também conhecido como Nahuel Moreno, foi um líder revolucionário argentino dirigente Internacional da LIT-QI, ou Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional, que teve origem na antiga seção argentina da IV internacional, (o PST posteriormente MAS hoje chamado FOS). Moreno
faleceu em 25/01/87 .
Já na Universidade, por fazer arquitetura, fui envolvido pelos “Libelus”, nome dado ao setor universitário de outro grupo Trotskista, ligado aos dirigentes franceses Pierre Lambert e Daniel Gluckstein (agrupamento que seguiu a tragetória do Partido Comunista Internacionalista - PCI, atualmente Corrente Comunista Internacionalista - CCI do Partido dos Trabalhadores da França)
Com a aproximação das eleições na França e a possibilidade concreta de eleger François Miterrant, as duas correntes (Morenismo e Lambertismo) tiraram uma política em comum, chamando a unidade do PC e PS, que culminou na vitória de Miterrant.
Nestes momentos chamava-nos de primos. Havia um projeto de unificação das duas organizações. Infelizmente não foi possível e cada vez mais nossa política se distanciou.
Passei então a militar organicamente na CS, Convergência Socialista.
Sempre fui um militante diferente dos demais, por nunca ter pertencido a uma categoria da classe trabalhadora.
Isto sempre foi motivo de comentários, análises e gozações.
Argumentavam que para não sofrer pressão dos “encantos” capitalistas teria que fazer um concurso, ter horário, compromisso corporativo, etc...
Certa vez, já morava em Brasília, um grupo de rodoviários se aproximou de nossa corrente.
Eram todos funcionários da TCB, Transporte Coletivo de Brasília.
Faziam oposição a direção do sindicato, petista e cutista e ao governo de Joaquim Roriz (PMDB).
Era tudo que queríamos.
Mas o problema é que não tínhamos nenhum dirigente na categoria. Isto fazia falta.
Foi então que o CR, Comitê Regional, discutiu e votou que havia chegado minha hora.
Em cima das resoluções do 11º Congresso Mundial da 4ª Internacional, que orientava suas sessões, a operar um “giro operário” em sua base, fui o escolhido para a tarefa, teria que me tornar um rodoviário, seria uma solução para o trabalho na categoria e resolveria uma “distorção” de um militante “vendedor de sonhos”.
Lembro-me do papo com o camarada e amigo Ricardo Guillen, onde ele convencia-me a deixar de lado todos os meus trabalhos e que me adaptasse a viver, vestir, pensar, transpirar como um rodoviário, com o salário e o padrão da categoria.
Estava colocado o desafio. E que desafio!!!!!
Agora era se inscrever no concurso público, já que a empresa era estatal.
Feito, fiz o concurso, passei e fui chamado para a entrevista.
Lá fui reprovado.
Assustado fui reclamar e saber o porque.
A psicóloga me reprovou pois tinha certeza de que logo sairia da empresa por ter uma formação muito além da exigida.
Então depois de muito conversar e explicar, disse que sonhava com a oportunidade de entrar em um emprego público, e que pretendia crescer na empresa, ser um diretor e bla,bla,bla.....
Fui então admitido.
Meus novos companheiros de categoria, rodoviários, eufóricos me chamaram para comemorar.
Corremos os trailers ao redor da garagem, bebendo rabo de galo e não sei lá o que. Derramava as doses como eles.
Juro que não me permiti sentir saudades de meus bons vinhos....
Só me lembro que todos se foram, rindo e felizes.
Segui rumo a sede da Convergencia, deitei no chão e sem nem fechar a porta apaguei.
Se existe coma alcolico, tive um, rs.
Meu primeiro problema era que não cabia dentro do lugar reservado aos cobradores. Toda a vez que a roleta rodava, batia no meu joelho. A marca roxa era uma constante.
Tinha que ser rápido e invisível na categoria, pois se o Sindicato me descobrisse, pediria minha cabeça a direção da empresa. Seria usado como moeda de troca nas negociações.
Em tres meses haveria eleições para a CIPA, o que me daria estabilidade na empresa. Este era o plano.
Precisava ficar conhecido na categoria, e ao mesmo tempo não ser percebido pela direção do sindicato, que me conhecia.
Pois consegui.
Fui pra sede da associação, ABEM, aonde redigia ofícios, orientava e ajudava no que podia os companheiros.
Jogava dominó, e torcia nas peladas.
Construi um pequeno grupo, com quem já conspirava, mas de forma bem clandestina mesmo. Alí já tirávamos estratégias e políticas para ação.
Veio as eleições da CIPA e fui o 3º mais votado em 10 eleitos.
Sai então da clandestinidade.
Já podia rodar os refeitórios, os terminais, as garagens convocando reuniões. Sentia-me realizado.
Foi quando o sindicato foi com um fotográfo e me click, click, clickou diversas vezes. O PC, Paulo Cesar, gritava bravo, vc esta fudido, vai ser demitido, etc e tal.
Depois de alguns dias, quando me apresentei na rodoviária para trabalhar, o fiscal reteve meu ponto, e disse que o presidente da Empresa, Dr Karin Nabut, mandou me chamar. Que eu fosse imediatamente.
Então ainda perguntou, “o que voce fez de errado 1220 ?” ( chamavam-me pelo número do ponto )
Fui, no caminho com receio e ansioso, mas chegando lá, controlei-me para o enfrentamento.
A secretária mando-me sentar, e foi anunciar minha presença.
Quando o próprio Dr Karim, empresário, dono de cinemas e prédios comerciais, correu até a porta e mandou-me entrar.
“Entre meu filho”., falou ele.
“Queria muito te conhecer, pois fui visitado esta semana pelo Sindicato dos Rodoviários, que me trouxe fotos e informações sobre voce.
Falaram horrores, que é um infiltrado e que pode acabar com a paz e o sossego da empresa.
Fiquei espantado, pois o poderoso sindicato de voces, com medo de um cobrador. Cheguei a perguntar quantos eram?”, e então ele riu.
“Me conte, afinal de contas quem é voce?”
Na sala estavam o Dr Karim e mais uns outros diretores da empresa a me esperar.
Voltei ao passado e me inspirei no velho Apolonio de Carvalho, quando interrogado pela ditadura, repetia o nome e seu cargo no partido
( “Apolonio de Carvalho, secretário geral do PCBr” )
Fiz o mesmo, Wellington Rainho, cobrador, 1220.
Ele esbravejou, “isto eu já sei. Já tenho sua ficha. Voce é pontual, zela com o patrimonio da empresa, não rouba ( quis dizer negocia ) vales transportes...Quero saber quem é voce, porque eles tem medo de voce?” Falou aos berros. “Disseram que é um empresário, isto é uma loucura.!!!”
Então falei: Dr, um empresário seria um cobrador? Eles são loucos. Sou o cobrador 1220.
Então Dr Karim disse, “estou de olho em ti, mas como eu não gosto deles e eles não gostam de vc, vai ficar. Apareça por aqui depois para conversarmos”
Foi a primeira e única vez que fui a sua sala.
A partir daí me soltei totalmente.
Fiquei conhecido pois a linha que fazia, L2 Norte/W3 Norte, com passagem pela frente da UNB, Universidade de Brasília, transportava muito alunos/turistas estrangeiros. E como conversava com eles em ingles e espanhol, logo toda Rodoviária de Brasília, inclusive os policiais, me traziam os turistas em dificuldade, rs.
Sai do limite da TCB e já tinha contatos nas outras empresas.
Organizamos uma pauta de reivindicações para a data base, a revelia do sindicato, que tinha acordos com a patronal.
Nos organizamos pelas garagens e pelos cobradores.
Fiz um projeto, apresentado pelo então Deputado Federal Cyro Garcia, Bancário/RJ, que estendia o direito ao quebra de caixa que os bancários tem a cobradores, bilheteiros, caixas em geral, enfim todo trabalhador que recebesse pagamento e desse troco.
Isto mobilizou, aglutinou.
Fizemos a exigencia de banheiros nos terminais para uso exclusivo dos rodoviários e não o uso dos banheiros públicos, sempre sujos e sem segurança, mantidos pelas empresas. As cobradoras foram ao delírio, afinal nunca foi reconhecido que elas ficam mestruadas e precisam de um local para sua higiene pessoal.
Logo a contragosto do sindicato fizemos paralizações relampagos por terminais.
A greve estava quase pronta.
Era questão de dias, a diferença que a patronal e o sindicato estavam juntos em nosso encalço.
Decretamos a GREVE na madrugada. Invadimos as garagens, bloqueamos as entradas com onibus e esvaziamos os pneus. Nada entrava,nada saia.
Quando o sindicato acordou a cidade já estava toda parada.
Na rodoviária nada movido a combustível se mexia.
Houve uns quebra quebra em um terminal da cidade de São Sebastião, pois quatro onibus conseguiram sair, sob orientação do sindicato, e foram depredados pela população.
Cruzei com Dr Karin na rodoviária, então ele me disse “ voce nunca foi cobrador mesmo...”
Fomos vitoriosos, saimos com aumento real e outras reivindicações atendidas.
Cyro Garcia não foi reeleito e o projeto foi arquivado.
Sofri um processo administrativo, me cobrando os quatro onibus depredados.
Paralelo a isto, Cristovam Buarque, PT na época, se elege governador de Brasília.
Muda a presidencia da TCB. Sai Dr Karin entra a Dra Eliane.
A nova Presidenta, me chama, informa-me que estava arquivando meu processo administrativo, mas que estava fora da empresa, pois ela já tinha tido muitos problemas com a Convergencia Socialista em SP, aonde dirigiu a CMTC.
Nesta época tinha uma Livraria com Banca de Jornal, chamada “LENINGRADO”.
O curioso é que meu senhorio era o Dr Karin, rs.
Curioso também é que já tinha dado aula de Judô ao seu filho Marcos, meu amigo pessoal, que depois soube de toda a história.
Hoje, no Brasil, chamam-se de "morenistas" as correntes MES - Movimento Esquerda Socialista, CST - Corrente Socialista dos Trabalhadores, ambas do PSOL e o PSTU.
Sou militante do MES.
E ex-rodoviário, que retornou a sua profissão de Vendedor de Sonhos.
sábado, 3 de janeiro de 2009
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Um comentário:
"Dr Karim disse, "estou de olho em ti, mas como eu não gosto deles e eles não gostam de vc, vai ficar. Apareça por aqui depois para conversarmos"
Foi a primeira e única vez que fui a sua sala.(...)"
Que pensamento pequeno e retaliador... Deu no que deu! Pensou ele que pensava grande... Que ilusão! Como é bom pegar o ponto fraco para ser este o tarmpolim de uma inesperada articulação...Ainda mais quando se tem a política como pano de fundo! Excelente momento, em que tudo se sonhava e se desejava nas sombras, conspirando... Excelente história de uma vida de tantas histórias... Vendendo sonhos e construindo realidades!
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