quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Silvio faria 50 anos....

Meu pai comentava comigo que Silvio faria 50 anos, meio século de vida.
Iria rolar “aquela” festa, como eram todas as festas em sua casa.
Eu menino, apenas observava, impressionado, sem entender direito a relação do tempo e da vida, meio que vislumbrava mais a festa em si.
Hoje com 51 anos, fui ao enterro de Silvio.
A vida nos afastou, mas não totalmente, pois sempre tive sua família como uma boa e forte lembrança de minha infância, e de tempos em tempos aparecia do nada para simplesmente rever aquele apartamento, os móveis, a cozinha, as histórias de Socorro, sua esposa, falando dos “meninos e meninas”, de Silvio chegando, do novo vai e vem, com rostos novos, dos netos, já grandes, uma nova realidade dentro da mesma rotina.
Silvio construiu ao lado de Socorro uma grande e bela família.
Seu enterro foi diferente, como não poderia deixar de ser.
O padre, que encomendava o corpo, não ficou com aquele blábláblá de sempre.
Dialogou com os filhos, netos, genros e amigos.
Perguntou quem era Silvio, e as crianças, uma a uma respondiam. Falou que depois da morte de Socorro, aos sábados ele é que fazia a comida para a prole, com a toda a cultura nordestina no tempero.
Lá comi pela primeira vez na vida carne de caça, jacaré, cobra, cachorro, tatu, cágado e sei lá mais o que.
Sarapateu, Vatapá, as peixadas e toda a culinária baiana.
Seu jeito, tipo durão, reflexo da educação militar, tentava esconder o homem carinhoso e excelente pai.
Nunca expunha sua dor, nem já no fim, quando o câncer já o comia por dentro.
Sempre estava lá para esticar a mão, incentivar.
No fim do ano passado fui lá, sentado na cadeira da sala, comentava a política, mandou que Jequinha, sua filha e companheira, ligasse para Roque, seu filho mais chegado da adolescência. Enfim, continuava aquele Silvio, que dirigia a casa.
Viajei com ele, em suas kombis, diversas vezes para o Rio.
Fui nas primeiras feiras abertas de Brasília, a partir de 1968. Ovo se comprava em saco com palha de arroz, era bode, queijo em trança, queijo qualho, doces e diversas guloseimas nunca antes vistas.
Nada que lembra-se os mercados do Rio de Janeiro. Ou as compras com meus pais.
Em sua casa as panelas eram gigantescas. Poderia chegar quanta gente quisesse. Tinha rango, atenção e carinho.
As tribos, de filhos e amigos, se dividiam por idade, mas interagiam nos jogos de cartas ou outros da época. Jogava Mille Born.
Uma vez Socorro me contou de quando moravam, no bairro de Bangu/RJ, chegava do mercado, já meia atrasada, pois logo as “crianças” começariam a chegar.
Quando abriu a porta, com as sacolas viu um rapazola no meio da sala.
Sem cerimônia logo pediu, “meu filho, me ajude aqui”
O rapaz imediatamente se aproximou e a ajudou.
Então foram para a cozinha.
Ela logo indagou se ele já tinha comido algo.
Como afirmou que não, imediatamente lhe fez um sanduíche, para que pudesse agüentar o almoço já com cara de atrasado.
O bom rapaz, meio sem graça, ajudou a descascar os legumes, a colher o arroz, o feijão e tudo mais que Socorro solicitasse (antigamente se colhia feijão e arroz, rsss).
Aos poucos foram chegando os filhos, que iam comendo e praticamente saindo em seguida.
Depois que a tarefa do “almoço” já estava cumprida, Socorro, perguntou, “mas meu filho, afinal de quem que você é amigo?”
O rapaz, abaixou o rosto, e começou a chorar. Não chore meu filho, dizia Socorro. Porque você chora?
Então veio a grande surpresa. A confissão e afirmação do menino de que ele era um ladrão.
Socorro, correu pela positiva, e disse que ele não era nem nunca seria. Questionou se ele estudava, e com a negativa, meio que adotou-o na escola e na vida.
Foi um segredo que foi guardado durante anos.
O “tal” amigo da mamãe, se tornara amigo de todos e freqüentava a casa normalmente.
Somente depois da mudança para Brasília, que ela veio contar do menino “quase” ladrão.
Hoje revi Sergio, Silvinha, Cláudio e Jequinha, além da netalhada toda, que não sabe quem eu sou.
A idade transformou as pessoas, talvez naqueles rostos cansados e saudosos estivessem outros filhos de Silvio, e alguns amigos de infância também.
Minha mãe não foi, pois não esta bem tem dois dias.
Considero-me um privilegiado, pelo prazer te ter tido tantas pessoas únicas na minha vida como você.

5 comentários:

Susanna Lima disse...

Que declaração linda, Rainho!

Seu texto é tão fluido que a gente nem sente quando acaba... Melhor, a gente não quer que acabe!

Parabéns!

E meus sentimentos pela perda...

Amanda disse...

Silvio deve ter sido uma pessoa "daquelas", né? Que a gente não esquece jamais...
Gostaria de ter conhecido a Socorro; falo sério, muito sério. Gostei dela.
Quando quiser visitar os supermercados daqui nos avise! Faremos um belo passeio!!!rsrsrsrrsr
Abraços!

Fabiano Barreto disse...

"quase ladrão".
Muito bacana!

Susanna Lima disse...

Ah, Rainho, tem selinho pra você lá no meu blog! [postagem do dia 02/03/09]

Beijos!

Fabiano Barreto disse...

Rapaz,

Tem um post em homenagem a esse seu olhar tão atento ao cotidiano, lá no meu blog. Não sei se ficou à altura, mas, tá lá!

Um abraço!