sábado, 9 de fevereiro de 2008

Imigrante

Estava em NYC.
Só que desta vez nada corria como antes.
A crise que atingia o mercado americano já se refletia na 47 street.
Os joalheiros também rebolavam e tudo estava parado.
O que fazer? Retornar ao Brasil, podendo ser barrado pela alfândega brasileira com produtos genuinamente nossos, com o prejuízo da viagem ou dar tempo ao tempo e colocar aos poucos a mercadoria que tinha.
Optei por ficar, tinha que alugar um local, arrumar emprego, etc.
Consegui um apartamento, se é que posso chamar assim, no subsolo de um prédio, no bairro de Mirtle, fronteira do Brookin com o Quenns.
População espana e negra.
Peguei emprestado com um padre italiano, que morou no Brasil, $ 1.500 para pagar um mês de aluguel, e dois meses de depósito, isto dispensava o fiador.
Mas tinha 6 semanas para pagar a dívida pois meu amigo de batina retornava para Itália, e eu havia o conhecido no meio da rua.
Fiz as contas com Mário ( meu amigo de América ), e vimos que dava para devolver o dinheiro no prazo desde que tivéssemos uma economia de guerra.
Comprava-mos a passagem do metro a atacado ( para a semana ),
andávamos um longo trecho a fim de evitar o ônibus ( e economizar ).
Podíamos almoçar somente dois pães de alho ou cebola. Tínhamos esta rica opção.
Em casa, foi chegando amigos oriundos da terrinha. Todos desempregados, porém com o hábito de comer também, rs.
Nosso cardápio era arroz e frango, ou arroz e carne de peru ( é mais barata ) moída.
As semanas foram passando, e o animo acabando.
Trabalhávamos na construção civil, trabalho pesado, com pouca reposição de energia.
Eram dois metrôs para ir, mais um ônibus e um bom trecho de marcha.
Fiquei magrinho, rs. Elegante. Mãos cascudas.
Enfim chegava a sexta semana, o inferno ia acabar. A dívida estava solucionada. Voltávamos para casa daquela vez com outro animo.
Mário falava, ria.
Começamos a sonhar com o que iríamos fazer na sexta que vem.
As propostas eram as mais diversas.
No meio a tudo isto, vestidos que estávamos de mendigos, e esfarrapados ( vínhamos com as roupas de trabalho ) , Mário contabilizou um sonho.
Dava para pagar o padre, guardar o dinheiro das passagens da semana seguinte, o dinheiro do pão, e ainda nos sobravam moedas para que pudéssemos comprar duas barras de chocolate.
O sonho estava realizado.
Nós na América, e comendo chocolate americano, pela primeira vez, após seis semanas. Daquele que víamos nos filmes.
Fazíamos a baldeação de metro no subsolo do Word Trade Center.
As torres gêmeas, que caíram.
Corremos como dois meninos direto para uma banca de jornais e doces de um senhor Afegão, daqueles com turbante e tudo.
Apontei para as barras de chocolate ( o inglês não ajudava ) com a aprovação de Mário pela escolha, e indaguei o preço.
Ele respondeu, contamos as moedas nas mãos. O valor era insuficiente. Faltava uns tostões.
Mário desabou com um semblante de depressão imenso. O silencio era total. Decepção. Um pequeno sonho. Uma pequena vontade. Fiquei meio desnorteado também, e sai gritando atrás de Mário, "não chore". Volte aqui. Vamos comprar pelo menos um chocolate.
Sem perceber o Afegão abandonou seu posto na banca, e aos berros correu atras de nós, dois imigrantes como . Chegou com duas barras de chocolate, que tanto queríamos, como presente. Recebemos o chocolate, e um abraço forte.
" Go, go", ele falava. E fomos, descobrindo um pouco da solidariedade dos imigrantes desta América de estrangeiros.

wellsol>>>01/11/2004

3 comentários:

Tânia disse...

Que saudade do chocolate tão desejado, heim??????

Unknown disse...

Nossa, fiquei emocionada! Ainda dá pra acreditar no ser humano! Lendo, imaginei a cena.
beijo

Unknown disse...

tudo agora e muito poetico e bonito, mas devo acrecentar que o fato vivido e muito mais brilhante.