Todo ano era a mesma coisa, a ida a casa de Alzanira e Tia Bebe era sagrada em seu aniversário. Já era tradição, e quase uma verdade absoluta em minha vida.
Alzanira morava no bairro do Grajaú no Rio de Janeiro. Um apartamento simples de dois quartos, que me parecia um antiquário, ou aquele lugar que uma criança como eu, me sentiria podada, pois tudo era proibido de “sonhar” tocar.
Mas como tudo também tinha uma história de vida, sempre me proporcionou prazeres de informação. Além é claro, do almoço em si, quero dizer, das maravilhosas sobremesas oferecidas.
A ida era sempre uma novela, pois não tínhamos carro na época e o caminho era o ônibus, 154, Grajaú/Leblon, que tinha um trajeto bem longo e demorado.
Alzanira possuía um piano que era algo majestoso de tão lindo. Toda sua frente trabalhada com madrepérolas. Nas laterais frontal, havia dois candelabros de bronze articulados, para segurar as velas, relembrando, na época de sua concepção, não havia luz elétrica.
Era uma peça que tinha um local de destaque em sua sala, entulhada de outros móveis.
Minha bisavó, Etelvina Bonfim Diniz, a Vinínha para a família e a Baba para os bisnetos, sempre nos contou que tocava piano em sua infância, mas por algumas vezes a instigamos a se atrever a manuseá-lo, porém a resistência sempre foi total.
Neste ano, depois de já termos almoçado e adoçado a boca, fomos para um dos minúsculos quartos para conversar.
Baba sem ser notada foi ao banheiro e em seguida perguntou se poderia pegar uma água.
Na volta da cozinha, sem ninguém por perto, se atreveu a sentar ao piano.
Com toda tranqüilidade e sem pressões, pois todos riam e já tinham se esquecido dela, abriu o teclado e com a desenvoltura de quem sabe andar de bicicleta, se pos a tocar de forma livre e majestosa.
Corremos todos para a sala, admirados e perplexos, tanto com sua desenvoltura, como com o som do instrumento.
Sorrindo, bela, livre e solta, Baba afirmava, “eu posso, eu posso”, passeando seus dedos por todo o teclado e cantarolando instantes de muito prazer.
Foi fascinante a sensação, perceber o transbordar na vida, o porque de uma vontade. De um elo com seu passado, um elo com seu eu.
Perdi minha Baba quando tinha 15 anos.
Tia Bebe e Alzanira também se foram.
Histórias do “sagrado” almoço anual, ficam nesta crônica, porém o exemplo da rica e bela formação que tive, continuam vivos comigo.
Saudades de você, Baba.
Beijos e conquistas ao som de um piano.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
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Um comentário:
Como a Baba há muitas pessoas que aos poucos vão perdendo sua identidade para os afazeres diários,e sem que percebam deixam que estes ocupem todos os espaços da sua vida.
Então,passam a viver para os outros.Não lhes sobra tempo para si,perdem de vez sua identidade.
Porém existem aqueles que assim como a Baba, encontram um piano que lhes possibilitam reencontrarem consigo mesmo e celebrarem a vida.
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